quarta-feira, 17 de março de 2010

Reunião com a Comunidade

Hoje tivemos a reunião de esclarecimentos sobre a greve, com a comunidade. Nós, professores, achamos por bem convocá-la a fim de informar aos pais e responsáveis as causas da nossa paralização. Alguns professores, assim como a diretora,  expuseram o assunto. Lemos a carta aberta à população, distribuída no dia anterior no bairro, e colocamos outros pontos. 
Demos ênfase à situação vivida em sala de aula, como a superlotação, falta de material, ofensas e até agressões físicas vividas constantemente pelos trabalhadores da educação e divulgada pela imprensa. Imprensa essa que divulga melhoras nas escolas, em forma de propagandas, não presenciadas pela comunidade escolar. 
Uma professora descreveu seu holerite, o quanto ganhava após 20 anos de magistério (R$ 2.500) e o quanto, ao se aposentar, ganhará (Sem as gratificações, sobra-nos o salário base, que é de R$ 1.200). Esse mesmo valor é o pago a professores recém ingressantes no magistério. Essa  professora citou o aumento salarial pela prova de mérito, dizendo que ela estuda constantemente para melhorar sua didática e o conteúdo em sala de aula. Mas isso não é reconhecido. E, para termos um salário minimamente decente, teremos que fazer uma prova que, dizem, foi quase impossível. Ah, tudo bem, só 20% conseguiriam aumento pela prova mesmo! E os outros 80%?
Também explicamos a situação dos categoria sei-lá-que-letra que vão trabalhar um ano sim e outro não. Um ano eles comem e exercem sua profissão, e no outro, não. Estão na rua, sem fundo de garantia nem seguro desemprego. E sua profissão, sua formação, jogada no lixo.
Outro professor proferiu sobre a futura escassez de professores, para educarem nossos filhos, devido ao descaso com essa profissão. Foi então que uma mãe colocou: "Mas, quando vocês escolheram essa profissão, sabiam do salário baixo". "Sim", respondemos, "mas somos trabalhadores como todos os outros. Não dá mais para trabalhar somente com o coração!" Queremos sim salário digno e situação decente de trabalho em sala de aula. "Mas fazendo greve? Vocês estão dando em mau exemplo para os alunos". Colocamos, então, que somos uma categoria de trabalhadores como todas as outras, que temos o direito de entrar em greve, previsto na constituição (artigo 9°, como citado em post anterior) e que não haveria outro modo de reivindicarmos melhorias. 
Outro argumento usado por algumas mães é que nós sempre entramos em greve, todo ano é essa coisa de greve e depois os alunos têm que repor aos sábados. Houve também quem questionasse se realmente faremos a reposição. O ano passado não entramos em greve, mas tivemos que trabalhar inúmeros sábados, devido à imposição do aumento do recesso para nos protegermos da gripe H1N1. Como se estarmos 6 dias por semana, com 40 alunos em sala de aula na reposição, não apresentasse nenhum risco de contaminação.
Porém, quando questionamos qual o outro modo de reivindicarmos melhorias, não há quem saiba responder. Perguntaram se já conversamos com o governador. Infelizmente, ele não nos recebe de portas abertas para negociarmos ou para ouvir o que temos a dizer. E é fazendo greve que a gente, através do sindicato, pode ser ouvido.
Os professores foram culpabilizados, na reunião, pelo fracasso da educação. Com tanta greve, os alunos não vão aprender nada. Infelizmente, eles já não aprendem muita coisa. Mesmo por que, aprendendo ou não, dá na mesma. Vão passar do mesmo jeito. Ao argumentarmos dessa maneira, ouvimos "Mas vocês aceitaram isso. Por que na época vocês não fizeram nada?" Talvez tentamos fazer. E ouvimos todas essas e mais algumas críticas por parte de alguns.
Ao colocar como exemplo da má qualidade do ensino alunos que chegam à 8° série, uma professora foi interpretada mal e ouviu que ela estava falando da filha da ouvinte. Aí, escutou "Se tem alunos analfabetos é por que tem professores como você". Após essa fala, a professora se retirou da reunião. Ela sabe MUITO BEM que a culpa não é dela do aluno estar no 1° ano do Ensino Médio sem saber escrever uma frase direito. Ela sabe também que é uma ótima profissional. Só é uma pena que a sociedade não reconheça esses profissionais que sofrem agressões morais e físicas dentro e fora da sala de aula, mas que continuam lutando por uma educação e por um país melhor. E é por isso que estamos em greve. Não, não é para deixar seus filhos em casa. Não, não é para não trabalhar. Não, não é para ouvir ofensas. Mas sim para melhorar a situação do nosso trabalho. E da educação do SEU filho.
Agora, se há escolas que não param, escolas em que os professores não paralizam, não fazem greve, não vão à assembleia estadual, talvez eles ganham melhor que a gente e não sofram ofensas. Ou talvez já desistiram de lutar por melhorias, aceitam o descaso de toda a sociedade e esperam o seu no final do mês e a sua aposentadoria.
Chamamos a comunidade para informar os nossos motivos da greve e por acharmos que é nosso dever esclarecer à população o que está ocorrendo. Achamos que, fazendo isso, conseguiríamos o apoio dos pais, pois, mais uma vez, estamos lutando por melhoras no ensino público. Fui informada de que muitos pais vieram conversar com os professores que restaram na reunião, manifestando apoio à nossa luta. Muito obrigada, atrasado. Eu não pude ouvir o apoio, pois me retirei logo após a ofensa.

Priscilla D. Merhy, professora de Geografia da Escola Estadual Profa. Julieta Vianna Simões Sant'Anna

6 comentários:

Gustavo Marichal disse...

O mais complicado é saber que os mesmos que atacam os professores grevistas são os que criticam quem reclama do trânsito ou da política.

Ah, a inércia que rege a humanidade...

Cappacete disse...

Olá Priscilla, entendo o que você está passando, a mídia paulista envenenou a cabeça do povo deste estado, os tornou, é por isso que eles sempre votam no PSDB. Mas ainda sim tem gente consciente nesta cidade, e para estes vale a pena lutar. A molecada não tem culpa de viver num meio tão alienado. Estou com vocês!

PS: Vou publicar seu relato no meu blog, abraço!

Cappacete disse...

"os tornou ignorantes"

Le Pittoresque disse...

Oi, Priscila
apesar de ter saído do estado, passei seis anos por isso, aguentando ofensas, violência, descaso e humulhação, mas seguindo adiante porque conseguia diferenciar o aluno que estava ali na sala para aprender, e sabe por quê? Porque os pais ensinaram em casa que educação é algo que deve ser valorizado, e não vendido. Sempre penso no dia em que não houver escola pública, o que os pais, com estes aí que se levantaram contra a greve - estes sim, grandes responsáveis também por essa situação e por colocarem o PSDB há mais de uma década na direçã ode SP -, vão fazer para continuar tendo aquele tempinho livre para passear em shopping enquanto existem babás e assistentes sociais, e não professores, cuidando dos seus filhos.
Abraços e força!

Carlos França disse...

Muito bem, Priscilla.
É com essa transparência que as questões sérias devem ser tratadas.
Parabéns a você, a seus colegas professoras e à direção da escolar Julieta por promover essa acareação com os pais para discutir a greve.
Eles, os pais, também merecem parabéns por terem comparecido e defendido suas posições. É assim que se cresce.
Sinto muito pelo agressão que vc recebeu, mas isso também tem algo de positivo. Servirá para refletir e, se for o caso, reforçar suas convicções.
É importante que vc não desista como muitos de nós, inclusive eu.
A greve tem, é claro, um componente político. isto é lícito e esperado. A discussão sobre que educação pública queremos é um assunto político. Depende de nossa visão de mundo e isso se expressa através de nossas escolhas, inclusive na hora de votar.
Acredito porém, que, infelizmente, o problema vai além de qual partido está no poder.
Eu apoiei ou fiz greve sob o PDS, o PMDB, o PSDB...
O erro de foco sobre o que deve ser a escola pública vem de longe e, parece, não há grandes perspectivas no horizonte...
Vamos continuar enquanto pudermos, construindo de todas as formas que estiverem ao nosso alcance, o mundo em que acreditamos.

Luciana disse...

Acho ótima a iniciativa de conversar com os pais. Nas primeiras conversas sobre qualquer assunto polêmico, barbaridades são ditas, mas é a atitude de manter essas conversas, explicar e debater que faz com que possamos crescer cidadãos. No fim, o momento de greve é um momento de educar também, não apenas alunos como pais. Parabéns e continuem na luta!